Quando todos os recantos do jardim
estão cintilando à frente, ou
os que ficaram para trás numa funda sombra, 
quando o vento começa a agitar todas
as pequenas corolas soltas e todos 
os caules escondidos e folhas 
pairando caídas, e também a terra, 
as pedras, os frutos do jardim que racham nas pedras,
vermelhos ou amarelos, tintos, cor
de mel, as sementes que germinam, 
rompem, duras, húmidas, secando 
acastanhadas, os mecanismos do
céu e da terra que vagueiam, deambulam, 
assustadores, bravios e assustados, 
sussurrantes, as asas rasgadas como lençóis 
de casinhas de brincar, as patas
tombadas, o estalar das carapaças 
azul-esverdeadas, frágeis, e também os corpos 
pegajosos, tranluzentes, rasgados 
surdamente-agudamente-dolorosamente, 
moles e recém-esmagados, mesmo agora: 
uma só nervura de brilho leitoso e verde, 
isolada e fina como um cabelo
se o vento começa a agitá-la - a superfície
oscila, seca, apodrece, morre 
enorme em decomposiçăo, 
exala um suspiro de alma. 
Alguém olha para cima e no vento este suspiro 
sobe um pouco, para depois
se despenhar. Todo o jardim 
olha para cima. Só para cima 
olhou. Mas de cima o contemplaram.
endre kukorelly
um jardim de plantas medicinais 
trad., rev., compl. e apresent. fernando pinto do amaral
poetas em mateus
quetzal
1997
Sem comentários:
Enviar um comentário