12 novembro 2012

herberto helder / ciclo II




  Não sei como dizer-te que minha voz te procura
  e a atenção começa a florir, quando sucede a noite
  esplêndida e casta.

  Não sei o que dizer, quando longamente teus pulsos
  se enchem de um brilho precioso
  e estremeces como um pensamento chegado. Quando,
  iniciado o campo, o centeio imaturo ondula tocado
  pelo pressentir de um tempo distante,
  e na terra crescida os homens entoam a vindima
  - eu não sei como dizer-te que cem ideias,
  dentro de mim, te procuram.

  Quando as folhas de melancolia arrefecem com astros
  ao lado do espaço
  e o coração é uma semente inventada
  em seu ascético escuro e em seu turbilhão de um dia,
  tu arrebatas os caminhos da minha solidão
  como se toda a minha casa ardesse pousada na noite.

  - E então não sei o que dizer
  junto à taça de pedra do teu tão jovem silêncio.
  Quando as crianças acordam nas luas espantadas
  que às vezes se despenham no meio do tempo
  - não sei como dizer-te que a pureza,
  dentro de mim, te procura.

  Durante a primavera inteira aprendo
  os trevos, a água sobrenatural, o leve e abstracto
  correr do espaço -
  e penso que vou dizer algo cheio de razão,
  mas quando a sombra cai da curva sôfrega
  dos meus lábios, sinto que me falta
  um girassol, uma pedra, uma ave -  qualquer
  coisa extraordinária.

  Porque não sei como dizer-te sem milagres
  Que dentro de mim é o sol, o fruto,
  a criança, a água, o deus, o leite, a mãe,
  o amor,

  que te procuram.



 
herberto helder
poesia toda
assírio & alvim
1996



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