Quinquagésimo ano
São muitos dias
(e alguns nem tantos como isso...) 
e começa a fazer-se tarde de um modo
menos literário do que soía, 
(um modo literal e inerte 
que, no entanto, não posso dizer-te 
senão literariamente).
Mas não há pressa, nem se vê ninguém a correr; 
a única coisa que corre é o tempo, 
do lado de fora, porque dentro
a própria morte é uma maneira de dizer.
Caem co’a calma as palavras 
que sustentaram o mundo, 
e nem por isso o mundo parece 
menos terreno ou impermanece. 
Restam, é certo, alguns livros, 
algumas memórias, algum sentido, 
mas tudo se passou noutro sitio 
com outras pessoas e o que foi dito 
chega aqui apenas como um vago ruído 
de vozes alheias, cheias de som e de fúria:
literatura, tornou-se tudo literatura! 
E a vida? (Falo de uma vida
muda de palavras e de dias, uma vida nada mais que vida;
haverá uma vida assim para viver, 
uma vida sem a si mesma se saber?) 
Lembras-te dos nossos sonhos? Então
precisávamos (lembras-te?) de uma grande razão. 
Agora uma pequena razão chegaria, 
um ponto fixo, uma esperança, uma medida.
18/5/00
manuel antónio pina
atropelamento e fuga (2001)
todas as palavras
poesia reunida
assírio & alvim
2012

um poeta só se vai embora
ResponderEliminarquando tem a certeza que o seu coração
se fragmenta
em mil outros novos poetas
porque os poetas
são as veias do mundo