16 junho 2012

giórgos markópoulos / a crédito



  

Goulas, o Korátos, apelidado Thorís,
de Sálona de Stereá
no dia da Páscoa mandou pintar o retrato
a um pintor ­funileiro ambulante
por um pouco de azeite arroz e um bocado de sabão.

Goulas, o Korátos, apelidado Thorís,
pintado, foi vendido pela velha
numa feira da ladra
por uma escova de nylon por uma velha balança
e um espelho do Congo.

A tua tristeza, eh pá, tesouro,
É como a Kaisarianí nas noites de Outono.

Pára lá de me chagar com o rembétiko
por detrás das tascas, nas ruas
Os marujos naufragaram, os marujos nos petroleiros
pegando-se pelo quinhão, perderam-se para sempre.

A última vez que me escreveste, lembras-­te?
O teu recado soube-o num bar
“tens carta”, disse o fogueiro do navio,
choviam grupos de clientes que praguejavam e gritavam
e havia um rádio que chorava ao canto
“O miúdo pirou-­se na outra noite”, escrevias,
às tantas foi comprar fósforos à esquina”.


Noites enormes duplamente esfaqueadas com a amargura do infinito,
noites de barulhos surdos tirânicas e infindas
mil momentos e eternidade mil momentos e morte,
e era uma época difícil, ninguém a ouvia,
só alguma “rapaziada” despejava as noites nas tascas
a juntar-­se ao mal e à guerra civil, diz­-se,
mas quem sabia dessas coisas
via a solidão a torturar e a culpa a espreitar,
até que certa noite te voltámos a ver num palácio mudo sozinha
“ei... como vais?” gritámos, deus meu.
O nosso corpo e o teu corpo
molde de gesso estragado pela chuva e pelos anos
como quartel da guarda em ruínas quartel da guarda
“hão-­de vir uma noite aqueles que esquecemos, dissemos­-te,
de rosto inexistente
o crânio cheio de lagartos e nu
descerão passo a passo sozinhos
descobrirão uma alegria pela vida
por sobre as casas e os túmulos
descobrirão uma alegria pela vida
um amargor de amor por nós e pelos mortos”,
e depois tornaste a desaparecer.

─  Abri um pouco o rádio, a luz e as janelas
porque, na verdade, que vergonha morrermos nos nossos lençóis brancos
enquanto todos os nossos amigos foram assassinados nos passeios.


Os assaltantes do inferno.


  

giórgos markópoulos
trad. manuel resende





Sem comentários:

Enviar um comentário