Não é Amor. Mas em que medida é minha 
a culpa se não converto em Amor
os meus afectos? Muita culpa, de acordo, 
se pudesse viver dia após dia 
de uma louca pureza, de uma piedade cega.
Escanda1izar com a minha mansidão. 
Mas a violência em que me atordoo,
dos sentidos, do intelecto, era desde há anos 
o único caminho. À minha volta, 
nas origens, só havia a Língua das fraudes 
instituídas, das ilusões devidas, 
que as primeiras angústias
de um menino, as paixões pré-humanas,
já impuras, não exprimia. E quando, 
adolescente, conheci neste país
algo que não era a alegria
de uma vida de criança — num país 
provinciano, mas para mim absoluto, heróico — 
foi a anarquia. Na nova e já mesquinha 
burguesia de uma província sem pureza, 
a primeira aparição da Europa
foi para mim aprendizagem do uso mais 
puro da expressão, que a escassez 
da fé de uma classe moribunda 
iria ressarcir com a loucura e os tópoi 
da elegância: que seria a indecente clareza 
de uma língua que revela
a vontade inconsciente de não ser, 
e a consciente vontade de subsistir 
no privilégio e na liberdade 
que por Graça são pertença do estilo.
pier paolo pasolini
poemas
de «la ricchezza» (1955-59)
trad. maria jorge vilar de figueiredo
assírio & alvim
2005
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