19 agosto 2009
cesare pavese / desenraizados
Chega de mar. Já vimos mar que chegue.
Ao entardecer, quando deslavada a água se estende
e esfuma no nada, o meu amigo olha-a fixamente
e eu fixo o meu amigo e nenhum de nós fala.
Chegada a noite, acabamos por nos fechar nos fundos duma taberna,
perdidos no meio do fumo, e bebemos. O meu amigo tem sonhos
(o bramir do mar torna os sonhos um tanto monótonos)
em que a água é apenas o espelho, entre uma ilha e outra,
que reflecte colinas salpicadas de flores selvagens e cascatas.
Quando bebe, dá-lhe para isso. De olhos postos no copo,
vê-se a erguer colinas verdejantes sobre a planura do mar.
As colinas, a mim agradam-me; e deixo-o falar do mar
porque a água é tão clara que se vêem mesmo as pedras do fundo.
Eu, o que vejo é só colinas, e enchem-me o céu e a terra
com as linhas nítidas dos seus perfis, distantes ou próximas.
Mas as minhas são agrestes, estriadas de vinhedos
que crescem penosamente num solo calcinado. O meu amigo aceita-as
e quer vesti-las de flores e frutos selvagens
para nelas descobrir, entre risos, raparigas mais nuas que os frutos.
Não é preciso: aos meus sonhos mais agrestes não falta um sorriso.
Se amanhã, cedinho, nos metermos ao caminho,
poderemos encontrar nessas colinas, no meio das vinhas,
uma rapariga de pele morena, tisnada pelo sol,
e, talvez, metendo conversa, comer-lhe algumas uvas.
cesare pavese
trabalhar cansa
trad.carlos leite
cotovia
1997
Desculpe a ousadia..mas "roubei-lhe" uns poemas seus para postar no meu blog... não resisti..gostei tanto deles...
ResponderEliminarhttp://cadernos.tumblr.com/
Fátima
Muito obrigado pela grande poesia de Pavese. Você nos presta um grande serviço. É preciso sentir o mundo, de quando em quando, pelos olhos dos poetas - como Pavese. Poesia à lor da pele, onde quer que esteja.
ResponderEliminarAbraços.
vamos amar
ResponderEliminarchega de mar
valeu a pena...
abs,
Gustavo
=]
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