07 setembro 2008
john ashbery / eco tardio
sós com a nossa loucura e a flor preferida,
vemos que não há mais nada sobre que escrever.
ou antes, é preciso escrever sobre as mesmas coisas de sempre,
do mesmo modo, repetindo vezes sem conta as mesmas coisas,
para que o amor continue e a pouco e pouco vá mudando.
colmeias e formigas têm de ser eternamente reexaminadas
e a cor do dia aplicada
centenas de vezes e variada do verão para o inverno
para que o seu ritmo desça ao de uma autêntica
sarabanda e ela aí se feche sobre si mesma, viva e em paz.
só nessa altura a crónica desatenção
das nossas vidas nos poderá envolver, conciliadora
e com um olho posto naquelas longas opulentas sombras amareladas
que falam tão fundo para o nosso mal preparado conhecimento
de nós próprios, máquinas falantes dos nossos dias.
john ashbery
uma onda e outros poemas
tradução colectiva / joão barrento
poetas em mateus
quetzal editores
1992.
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