07 outubro 2007

das memórias de adriano





E foi por esta época
que principiei a sentir-me deus.

Não faças confusão: era sempre, era mais que nunca
aquele mesmo homem alimentado de frutos
e de animais da terra,
restituindo ao solo os resíduos dos seus alimentos,
sacrificando ao sono a cada revolução dos astros,
inquieto até à loucura
quando lhe faltava por demasiado tempo
a cálida presença do amor.

A minha força,
a minha agilidade física ou mental
eram cuidadosamente mantidas por uma ginástica
toda humana.

Mas que dizer senão que tudo isso era divinamente
vivido?
As ousadas experiências da juventude
tinham acabado,
assim como a sofreguidão de gozar o tempo que passa.

Aos quarenta e quatro anos
sentia-me sem impaciência,
seguro de mim,
tão perfeito
quanto a minha natureza me permitia,
eterno.

E compreende bem que se trata,
neste caso,
de uma concepção do intelecto:
os delírios, se este nome se lhes pode dar,
vieram mais tarde.

Era deus
simplesmente porque era homem.





marguerite yourcenar
memórias de adriano
trad. maria lamas
ulisseia
1974





3 comentários:

  1. Bah... é de um simplicidade arrebatadora, de uma força suave que mobiliza qualquer coisa cá dentro. Parabéns pelo blog. Se puder, faça uma visita ao nosso, está começando...

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  2. Muitíssimo bom!

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  3. Monumento poético. Como um hino aos deuses...

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