20 maio 2007
as palavras
(…)
durmo.
durmo de pé atravessando quartos, as minhas mãos não dormem —
talvez eu sorria estremecendo,
estremecendo.
as minhas mãos saem do sono, para os lados, mexem, mexem,
os pés estão acordados
e levam com um sorriso o meu sono pelos espaços vivos e brancos, sem som —
estou de pé estremecendo.
depois tenho quatro patas
como um perfume que partisse
ou uma flor que partisse à procura do seu perfume.
digo que tenho uma aflita quadrupedia,
como um cão nu que fosse em busca da sua flor desaparecida em toda a parte,
neste clima aberto à volta do clima.
as minhas patas saem do sono
para saber como é o espaço exasperado do clima,
andam pelos soalhos do clima —
e ao alto do movimento
há um sorriso em lume brando numa pessoa estremecendo,
aprendi como é devagar —
comer devagar, sorrir, dormir devagar, cagar e foder —
aprendi devagar.
entretanto, se me falarem de rosas não me falem de rosas —
falem-me da espinhosa arte de ser rosa,
da arte do devagar.
mexes-te muito, digo eu,
e penso: mexes-te muito pouco —
é que eu sou o muito mais possível devagar, respondo,
é que eu sou o sangue procurando, pelos tubos quentes,
o pavor do coração.
sou o sangue em busca de como há-de bater nas mãos e nos pés,
através das galerias,
como um ramo de ventania a bater no espaço da ventania.
mexes-te pouco, é o sono que te leva,
as mãos tremem,
os pés apanham os passos um pouco atrás,
o coração é terrível como um órgão oculto —
mas a boca exposta
é que é o órgão do amor.
durmo, durmo, durmo em todas as direcções —
abrem luzes como quem espanca neve,
tornam claro como quem desdobra lençóis,
tiram do sono como quem abre torneiras
sobre as ervas espantadas.
oh, deixa-me tu passar, digo-me eu,
dá-me a superfície inteira desta noite irregular,
a profundeza deste sono
onde apenas se mexe uma incrível sabedoria à força de lentidão.
é isto que levo no corpo -
a nudez, a nudez.
e a nudez põe o sono às costas,
caminha, sabe, encontra, perde e caminha —
toda exposta em seu espaço branco.
não te importes com a água fria
que atravessa a primeira imagem da tua ciência —
tu abraças o amor como se abraçasses uma chaga ardente:
a lepra, a loucura, a visão.
(...)
herberto helder
apresentação do rosto
(as palavras)
editora ulisseia
1968
tu delicias-me com o teu excelente gosto
ResponderEliminarjá li tantas vezes herberto helder, pelas "tuas mãos" pelos livros que tenho dele, mas não consigo ficar indiferente quando sempre que o leio.
um belo momento que vim saborear aqui hoje
apesar de já conheceres, apeteceu-me deixar:
Isto era chamado Espelho. Quando chegava, o corpo ficava bem em frente dos crimes, reflectidos de pé, com o seu canto, aquela voz ascensional e sombria dos crimes. Um dia, veio disfarçado de cidade santa - ROMA - o corpo da recuperação e continuidade, e ali mesmo, porque o espelho falava esquerdo onde era direito e direito onde era esquerdo, se viu que havia uma inspiração demoníaca - o AMOR. Figura direita e imóvel, negra. Parecia erguida na ponta dos pés, como para alcançar um silêncio absoluto. Somente as asas tremiam um pouco, junto às raízes cravadas nas espáduas. Estava bêbeda, aquela figura veemente, quieta. Tinham um sorriso - pura lâmina. Porque esconde o anjo a inquietação de animal devorador? Revelava-se a qualidade monstruosa pelo próprio jogo do disfarce. O crime é assim: usa o contrário do nome. Mas quando aparece em frente do espelho - na confusão de leste e oeste, nascimento e morte da luz - o nome sagrado volta-se de costas, e lê-se: AMOR.
herberto helder,
Photomaton & Vox,
1ª edição, Assírio & Alvim
um abraço meu Gil
beijocas
lena
buenos días , felicitaciones por su sitio. La verdad que me encanta la poesía y me siento bien al ver que este tipo de sitios siguen creciendo cada vez mas. Me gusta mucho su sitio y aunque yo soy Uruguayo de todas formas lo entiendo porque trabajo con gente Brasilera. Yo también soy participe de un sitio, pero en castellano, se llama Vivir Poesia. La verdad que debería haber mas sitios como este, esta muy bueno. Saludos, y sigan adelante.
ResponderEliminaresta é A poesia...
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