13 setembro 2012

dia D dignidade




dannie abse / raio x


   


Alguns revistam o fundo do mar, alguns lançam-se a uma estrela
e, mãe, alguns obsessivos voltam ao contrário cada pedra
ou abrem sepulturas para que entre aquela luz da estrela.
Há homens capazes de abrir seja o que for.
Harvey, a circulação do sangue,
e Freud, a circulação dos nossos sonhos,
espreitam honradamente e honrados são
como todos os exploradores. Homens capazes de abrir homens.
E aqueles outros, mãe, com doenças
como ruas grandiosas que tomaram o seu nome: Addison,
Parkinson, Hodgkin - médicos capazes de chegar
depressa e primeiro a qualquer cena amarga com um leito de morte.
Deles sou o colega lento, meio amedrontado,
incurioso. Em rapaz era assim: sabes como
a minha pequena mão nunca arreliou até destroçar
um despertador ou retalhou um morto.
E esta mão maior é igual. Estende-se agora
de uma manga branca para erguer, mãe,
o teu raio x até ao ecrã brilhante. Os meus olhos vêem
mas não querem ver; eu ainda não quero saber.



  
dannie abse
a rosa do mundo 2001 poemas para o futuro
tradução de cecília rego pinheiro
assírio & alvim
2001


12 setembro 2012

revolta-te




nathan zakh / dizem





Dizem
Aquele que tropeçou, tropeçou
dizem
que aquele que traiu traiu
dizem
que aquele que está só está só
dizem
que aquele que esqueceu esqueceu
dizem
que aquele que não está contigo
dizem que se foi embora
dizem que esqueceu




nathan zakh
a rosa do mundo 2001 poemas para o futuro
tradução de cecília meireles 
assírio & alvim
2001




11 setembro 2012

os ratos






Escrevi este post em setembro de 2005 a propósito das eleições presidenciais que se adivinhavam. Lembro-me de ter dito que o protesto perfeito seria um dia em que toda a gente se dirigisse à fronteira e abandonasse o país por um dia, deixando-o entregue aos seus ratos.

Tenho, por estes dias, regressado a essa utopia. Talvez porque os ratos estão mais gordos e mais visíveis e se passeiam já sem qualquer pudor pelas nossas vidas.  




também me estou a lixar para eleições. revolução já!






czeslaw milosz / ars poetica





Sempre aspirei por uma forma mais ampla,
que não fosse poesia nem prosa em demasia
e permitisse a compreensão, sem expor ninguém,
nem autor nem leitor, a grandes tormentos.
Em sua essência, a poesia é algo horrível:
nasce de nós uma coisa que não sabíamos que está dentro de nós,
e piscamos os olhos como se atrás de nós tivesse saltado um tigre,
e tivesse parado na luz, batendo a cauda sobre os quadris."

(...)



czeslaw milosz
a rosa do mundo 2001 poemas para o futuro
tradução de aleksandar jovanovic
assírio & alvim
2001


10 setembro 2012

roberto juarroz / a densidade do que não é





   A densidade do que não é,
a força do que não se tem,
amontoa a água da vida
e cria um rumor de fundo
para todos os gestos.

   Até o tecido preto da morte
 tem um pálido fio
onde a trama cede e se aligeira
porque lhe falta morte.

   E até o que nunca viveu
e nunca morrerá
ergue-se na greta de uma ausência
que lhe empresta seu corpo.

   A pedra do não ser,
a certeira condição negativa,
a pressão do nada,
é o último apoio que nos resta.




roberto juarroz
a rosa do mundo 2001 poemas para o futuro
tradução de josé bento
assírio & alvim
2001




que cesse o medo, que sopre o vento


a propósito de violência




Somos todos contra a violência (eu sou contra a violência). Mas mesmo um pacifista, quando lhe arremessam com uma bomba, só tem duas hipóteses: ou a devolve ao agressor, ou abraça-a e morre com ela.

Eu sou pacifista, mas não a esse ponto.




07 setembro 2012

revoluções antecipadas, já!!



Dás-me lume?

É desta que mudamos isto?



yusuf al-saigh / poema





quando regresso a casa, cada tarde,
a minha tristeza sai da alcova dela,
com a sua capa,
e começa a seguir-me:
se caminho, caminha,
se me sento, senta-se,
se choro, chora com o meu pranto
até à meia-noite. e nos cansamos.
então, vejo que a minha tristeza
entra na cozinha, abre a porta da geleira
tira um pedaço escuro de carne
e prepara-me o jantar.



yusuf al-saigh 
a rosa do mundo 2001 poemas para o futuro
tradução de adalberto alves
assírio & alvim
2001