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22 janeiro 2011

gil t. sousa / um labirinto de vidro






30


um labirinto de vidro
palavras transparentes
dias quase limpos

no chão
sombras brancas sem raiz




gil t. sousa
falso lugar
2004





30 dezembro 2010

gil t. sousa / o tempo


29

O tempo é uma fortaleza de papel. Todos os passos se resolvem em caminhos esquecidos. Todos os horizontes se erguem como livros guardados. Leio tudo o que me cerca, como se tivesse que esconjurar impressionantes silêncios. Tenho aqui o mundo e aqueles que lhe traçaram a órbita. Tenho aqui as minhas noites e os meus dias, os anos e as estações, as latitudes e as longitudes... Tenho aqui os fundamentais pontos que me marcaram o norte e o sul.

Dou-me esta ilusão de uma manhã lúcida e depois parto pelos dias adentro, interiormente, dissimuladamente como a maré de um sentimento. Tenho na pele a nostalgia de um lugar perdido. Navios, grandes navios adormecidos no seu azul ferido. Dançam-me a sua morte num pensativo silêncio. Exaltam o seu morrer numa coreografia de lágrimas em ferrugem, escondem na imobilidade dramática dos guindastes o diário intacto das viagens cumpridas. Os arranhões no ferro são linhas de mapas impossíveis e no fim dos seus nomes já não brilha a recompensa de um destino.

Ah! os nomes e as intenções que contêm! Um nome é um cruzeiro no nada, uma corrente que nos arrasta ao incerto do paraíso ou do inferno.





gil t. sousa
falso lugar
2004




29 novembro 2010

gil t. sousa / das viagens




28


regresso ao livro
que me declara sábio

que não me abandonem
os ventos
quando de novo navegar
o marítimo corpo
da ausência


é que me abro
à oração dos desertos
e sigo a minúcia dos milagres
até ao deslumbre
do que morre


(que torre é esta
que se atravessa na madrugada
e me serve o oculto canto
da paisagem que te esconde?)






gil t. sousa
falso lugar
2004




06 novembro 2010

gil t. sousa / era um passo novo



27


era um passo novo
um timbre de rua nova
numa cidade calada

a tua mão na água dormente
a dança do teu olhar
sobre o peso

do tempo sábio
segui-te o sonho
como uma ave

e regressei
ainda mais só





gil t. sousa
falso lugar
2004






13 outubro 2010

gil t. sousa / uma grande manhã



26


eu queria uma grande manhã, uma lúcida manhã sem cinzas, luminosa, quase quente, donde fosse possível avistar as brancas montanhas do tempo, donde fosse possível olhar o princípio de todos os caminhos e esperar.

e que não fosse tarde, que nunca fosse tarde nos seres amados, nem nos lugares por onde passámos e, nus, deixámos os olhos como uma nuvem sobre a morte.





gil t. sousa
falso lugar
2004



13 setembro 2010

gil t. sousa / é verão




25/


é Verão no meu sangue e o corpo é o quadrante dum relógio mágico onde todas as horas são marcadas com sinais de fogo.

nas veias queimadas, só o carinho da Lua – essa velha surda e cega ! – que na sua bondade de fêmea me transforma os pecados em paixão e faz dos meus gritos orações poderosas que os deuses escutam e aceitam.




gil t. sousa
falso lugar
2004



02 setembro 2010

gil t. sousa / dentro do tempo





24/



dentro do tempo, o tempo

o cheiro do mundo
quando me cantas essa rua antiga


*
já por aqui morri
e, vivo,
regresso ao beijo seguro
e fiel




gil t. sousa
falso lugar
2004





22 agosto 2010

gil t. sousa / a casa






23/



e a casa fecha-se
como uma flor que se gasta


agora
as palavras sobem-na
como raízes
devoradoras
sobre os olhos
entaipados


há esse amor
um vermelho muito alto
tão alto
e a morrer, a morrer
como sangue ao relento
ou livros abandonados
no chão da memória


no desejo

e há um adeus muito triste
um céu antigo
que tudo cobre sem gritar


ternura
é a ternura meu amor
é esta fogueira medonha que se apaga
no coração silencioso
do tempo frio


a casa, amor
o punho fechado do destino
roendo
o que os olhos largaram na rua
o que as mãos pousaram
no coração
para sempre, para sempre, para sempre








gil t. sousa
falso lugar
2004






11 agosto 2010

12 julho 2010

gil t. sousa / do teu nome






21/




sobra de todo o silêncio
o raro acorde
do teu nome

a que solidão altíssima
me entregas
quando te deixas morrer assim
no abraço faminto
do tempo?







gil t. sousa
falso lugar
2004






24 junho 2010

gil t. sousa / é como acordar





20/



é como acordar.

mas aquilo que flúi quando acordas,
aquilo que te liga os dias donde vens
aos dias a que queres chegar,
aquela abundância de razão e de consciência
que te dá sentido à vida...

esse movimento está ausente
e sentes-te como um fumo.

qualquer coisa te pode esmagar,
qualquer gesto te pode transportar
a um chão que não existe,
a um caminho
que os teus passos não sabem percorrer.

e as tuas mãos ficam húmidas desse delírio.
e os olhos caem-te aflitos no lugar da doçura ausente.

e ficas sem gritar,
ergues-te sobre esse dia que chega
e tudo é maior do que possas ter para te agarrar.
e deixas-te ir, etéreo como um fumo…

podia ser esse o minuto da loucura.
podia ser esse o momento de abraçar a luz
e estalar docemente numa noite qualquer.

como uma fenda de fogo,
como um punhal de lume
que enfim te rasgasse o mundo.







gil t. sousa
falso lugar
2004








04 junho 2010

gil t. sousa / passados





19

não te esqueças de me visitar. traz-me as fotografias de Veneza e aquele poema que me escreveste quando o nosso amor ainda era o que de mais magnífico acontecera nas nossas vidas e no mundo.

havemos de nos sentar nas mesmas cadeiras como se fossem as mesmas manhãs de sábado. havemos de olhar os mesmos telhados, divagar sobre a eternidade dos gestos e jurar comovidamente que as nossas almas se tocaram de uma maneira única e inesquecível.

eu hei-de esconder-te a minha interminável solidão e tu hás-de demonstrar-me, muito inocentemente, nas tuas palavras tão cheias de vida e de juventude, como a morte nos descobre mesmo nos lugares mais altos.



gil t. sousa
falso lugar
2004


17 maio 2010

04 maio 2010

07 abril 2010

gil t. sousa / na asa negra






16/


na asa negra
do pássaro da noite
todos os meus rios
recitam o seu correr










gil t. sousa
falso lugar
2004







10 março 2010

gil t. sousa / tarde antiga






15/


oratórias de Bach
e uma fileira de árvores nuas

o vento é um calendário antigo
arrumado na gaveta mais funda

as jarras, os cinzeiros,
todos os vidros com
aquela pose de diamante

que durante tanto tempo
me encheram os olhos

numa caixa sobre a mesa
estão amarradas as últimas palavras

escritas em papel surdo
numa caligrafia mortal










gil t. sousa
falso lugar
2004







16 fevereiro 2010

gil t. sousa / automatic winter






14/


quem se importa se não vens pela estrada, ou se o teu nome é muito longe como a sombra? hoje abri as mãos enquanto o sul me fugia em pássaros sob a lua. há árvores tão lentas neste Inverno e passos mudos, água nos caminhos do espelho.

e tu não estás, não estás lentamente, nem sobre os telhados vermelhos, nem ao longe como o forte querer que a neve caia e tudo apague como se apagava o mundo quando docemente um beijo nos explodia no meio da solidão.










gil t. sousa
falso lugar
2004







28 janeiro 2010

gil t. sousa / ternamente poderosos






13/


nunca sobrava uma sílaba. ternamente poderosos, revíamos o mundo
do mais alto lugar.

nas manhãs frias de sábado,
a noite ainda na pele.









gil t. sousa
falso lugar
2004







03 janeiro 2010

gil t. sousa / será esse o teu inverno






12/


nada te levará tão longe, como os dias cegos de outrora. janelas que se perdiam na bruma, olhos que pousavam no impossível do tempo, movimento perpétuo dos lábios com marés de palavras esculpidas no coração.

foi tudo nesse horizonte afogado. a mesa vazia, o piano calado, o pássaro imóvel. virás por muitos anos, como a espuma dos sonhos perdidos. e a raiva será cantada no paredão da memória até ficarem macias as pedras do caminho.

e será esse o teu Inverno.








gil t. sousa
falso lugar
2004






10 dezembro 2009

gil t. sousa / na curva do rio






11/


na curva do rio é que tudo nos espera, é que tudo morre. levam-nos na corrente invisível do tempo, levam-nos no silêncio para nunca mais chegarmos.

ninguém nos há-de esperar no fim da viagem. nunca mais nos havemos de libertar da solidão dos retratos.







gil t. sousa
falso lugar
2004