28 dezembro 2024

ilka brunhilde laurito / lamentação de natércia

 
 
 
III
 
Amor, amor, amor, um mal que ainda perdura
esta ferida grande, anónima, obscura,
esse beijo letal que vai da boca ao útero,
esta esperança vã, o desespero inútil.
 
Amor, amor, amor, meu ódio e meu horror,
amor, quisera não ter sangue, não ter corpo,
e te expulsar de mim como a falaz demónio
ou anjo que tingiu de fogo as asas brancas.
 
Chama voraz da vida incinerada em sonho,
Amor, por que me acordas para o dia novo
com promessas de voo, se me ardo em chão?
 
Ai, se me fora dado exorcizar-te, Amor…
(carvão posto em repouso, brasa alheia ao sopro)
… ai se me fora… – AMOR! AMOR! NÃO ME ABANDONES!
 
 
 
ilka brunhilde laurito
colóquio letras nr. 90
março 1986
fundação calouste gulbenkian
1986
 



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