22 agosto 2016

guillermo carnero / sweetie, why do snails come creeping out?




Se és novinha e tens amor,
que farás quando maior?

Anónimo, Ramillete de flores
(Lisboa, 1593)


Sempre chegamos cedo, ou tarde, ou nunca
a comboios que partiram ou não existem,
apanhamo-los já em andamento
para qualquer lugar sem estação nem nome.
Onde eu estaria, Capuchinho,
quando da torre abaixo tu lançavas
a escada de amor de tuas tranças.
Dispo-te, e o tempo claro que te envolve
súbito se amontoa e cai em mim
com um ácido rumor de arestas negras
ao chegar a tirar-te esses soquetes
curtos, de ir à aula de ginástica,
de sair em passeio com um vestido branco:
magoa-me a surpresa
se aprendo em tuas aulas algum truque brilhante,
um magistral alarde de gramática parda.
Quatro coisas ainda posso descobrir-te
e deixar gravadas em tua pele
essas doces lembranças que uma mulher não esquece:
o que é o sabor a casco e o seu travo,
o que leva a lagosta Thermidor,
porque nos arrastamos quando termina a chuva,
para apanhar o sol, os caracóis.


guillermo carnero
tradução de josé bento
canal nr. 6
revista de literatura
palha de abrantes
1999



Sem comentários: