15 maio 2014

alexandre o'neill / o adjectivo



O adjectivo? Que horror
quando não é incisivo
quando atira para o vago
o pobre substantivo
ou o circunda de um halo
de um falso resplendor,
em que o ouro utilizado
não é ouro é só dourado!


O sol assim captado
é sol, mas sol de teatro,
ouro em falsete, luz barata,
e no prego não dá nada,


que o prego não acredita
(senão já estava falido)
nesse ouro sem quilate
que usam a valdevina

e o poeta que se orna
(que orneia, melhor diria)
de luzidias mentiras,
de poética poesia.

Disse pouco do que queria
na parte que antecede.
Se é discursiva, a poesia
também não serve...

Voltando ao adjectivo
(nada tenho contra ele):
é melhor ficar despido,
cosido co'a própria pele,

do que pedir emprestada
a piedosos enchumaços
aquela largura de ombros
que nos faz ginasticados,

quando, em verdade, não temos
mais ginástica do que essa
em que somos atletas
e que se resume apenas

no aguentar alegre
do peso quotidiano
(pode ser que para o ano
a terra nos seja leve).

Tal como do mal o menos
- e nesta regra redijo-
antes quero sóbrios termos
do que fingir que sou rico...



alexandre o'neill
abandono vigiado
1960




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